quarta-feira, 6 de julho de 2011

Documento histórico

O documento, segundo Leandro Karnal e Flavia Galli Tatsch, “é tudo aquilo que um determinado momento decidir que é um documento”. A partir dos documentos históricos podemos desvendar parte do passado, pois em sua essência é possível identificar impressões do período em que foi produzido, mesmo que da forma mais subjetiva possível, tornando os acontecimentos imortais aos olhos dos que analisam esses fragmentos do passado. Ainda segundo os autores:
“um documento é dado como documento histórico em função de uma determinada visão de uma época. Isso introduz no conceito de documento um dado importantíssimo: o documento existe em relação ao meio social que o conserva”.
Analisando com o olhar crítico do historiador, um documento que pode muito bem se tornar fonte histórica, são as chamadas histórias em quadrinhos. Presentes nos dia de hoje, os quadrinhos são uma manifestação da cultura industrial que, em suas histórias, retratam a essência da sociedade urbana a qual nós pertencemos, sempre fazendo menções aos acontecimentos do cotidiano e outros recentes. Um bom exemplo disso é a aparição do presidente eleito Barack Obama em diversos títulos conhecidos do mundo dos quadrinhos na época em que foi nomeado presidente dos Estados Unidos, como Homem-Aranha, Batman, o cavaleiro das trevas e também no mundialmente conhecido Superman, sendo que o objetivo de suas aparições variava entre críticas, elogios ou simples citações.
Para Paul Gravett, jornalista freelancer, pesquisador de histórias em quadrinhos e autor de Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, os quadrinhos são a forma mais antiga de narração, podendo ser identificados até mesmo em pinturas rupestres, que colocam seus desenhos em uma disposição com a finalidade de contar uma história cotidiana, seja um acontecimento importante ou parte do cotidiano, como a caça e a pesca. Em outro momento, as pinturas nas paredes das cavernas retratam acontecimentos sobrenaturais, podendo ser as únicas testemunhas do nascimento das religiões e da mitologia. Outros exemplos de ancestrais das histórias em quadrinhos podem ser identificados também em obras medievais, ilustrações religiosas e em diversos períodos de todas as culturas, quando ainda não se fazia o uso da escrita, sendo as imagens dispostas em sequência com a finalidade de se contar uma passagem a única forma de se documentar a história.
Joatan Preis Dutra, professor graduado em história pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2002, defende em sua tese o uso de histórias em quadrinhos como fonte de pesquisa histórica. Nessa pesquisa, Dutra afirma que, sendo as artes sempre moldadas pelo seu contexto, é possível ver em suas produções o reflexo da sociedade, do contexto em que estão inseridas, de sua cultura.
“As Histórias em Quadrinhos, como todas as formas de arte, fazem parte do contexto histórico e social que as cercam. Elas não surgem isoladas e isentas de influências. As ideologias e o momento político e social moldam, de maneira decisiva, até mesmo o mais descompromissado gibi”
Ainda segundo o autor:
“Mesmo nas HQs produzidas sem finalidade política ou de propagação ideológica, podemos encontrar referências das circunstâncias na qual foram elaboradas. Por se tratar de um produto industrial, o apelo comercial tem que estar presente para justificar sua venda. Se o leitor não se identificar com o que está sendo oferecido, provavelmente não vai adquirir a edição à venda.”
Admitir os quadrinhos como fonte seria mais um passo para desvendarmos o passado, sendo que todas as produções da indústria do entretenimento são, enfim, baseadas no período em que foram criadas. Diferente da “cultura de massa”, termo empregado nos ensaios produzidos pela Escola de Frankfurt, onde o povo cria suas próprias manifestações, esse fruto da “cultura industrial”, criado para o povo e não pelo povo, é feito justamente para que as pessoas consigam se identificar nos personagens, nas histórias, sempre objetivando a venda, o consumo e o acumulo de capital (FREITAG, 1986).
Por fim, esse tipo de produção, é certamente fonte inesgotável de informações sobre o homem contemporâneo, segundo Ariel Dorfman e Armand Mattelart, como citam em seu livro Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e o colonialismo:
“A literatura infantil é, por isso, talvez o foco onde melhor se pode estudar os disfarces e verdades do homem contemporâneo, porque é onde menos se pensa encontrá-los. E esta é a mesma razão pela qual o adulto, carcomido pela monotonia cotidiana, defende cegamente essa fonte de eterna juventude: penetrar esse mundo é destruir seus sonhos e revelar sua realidade”


Bibliografia:
KARNAL, Leonardo; TATSCH, Flavia Galli. A Memória evanescente. In. O historiador e suas fontes. PINSKY, Carla B. (org.). São Paulo: Contexto, 2009.
GRAVETT, Paul. Mangá: Como o Japão Reinventou os Quadrinhos. São Paulo: Conrade Editora do Brasil, 2006.
DUTRA, Joatan Preis. História & História em Quadrinhos: A utilização das HQs como fonte histórica político-social. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 2002.
FREITAG, Barbara. A Teoria Critica – ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 1986.
DORFMAN, Ariel, MATTELART, Armand. Para ler o Pato Donald: comunicação de massa e colonialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

Por Matheus Kaneko

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