sexta-feira, 3 de junho de 2011

Reencontrando a história


Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de Coulanges, nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular, favorável à abstração, o plural, que o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade. Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas,] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça” .Marc Bloch

As questões que guiam nossas reflexões sobre as diferentes definições metodológicas que a historiografia vem conhecendo no seu contínuo processo de renovação crítica, devem desde já conter um fundamento que respeita uma característica marcante dos estudos históricos atuais, a necessidade do historiador de problematizar suas fontes e subtrair das mesmas as diversas possibilidades que são conferidas por tal ato.

Mesmo imbuída de uma capacidade reflexiva apurada a atuação do historiador é exposta cada vez mais a um universo de incertezas que de certa forma vem contribuindo profundamente no processo de renovação metodológica da historiografia.

Mesmo assim, a atuação do historiador em seu ofício carrega uma enorme quantidade de dilemas que não se limitam unicamente à difícil tarefa de problematização documental. Esses dilemas carregam um teor problemático que vigora há tempos na historiografia moderna e que se mostra profundo através da forma como será aplicada a análise metodológica desses documentos. É justamente esse conceito de discussão das matrizes metodológicas que vem sendo exaustivamente estudados por diversos historiadores ao longo do século XX, que conferem um contínuo caráter renovador ao estudo da história. Uma importante renovação dos preceitos norteadores do ofício do historiador se deu em 1929 com o surgimento na França da revista Annales d’Histoire Economique et Sociale, uma nova corrente metodológica possibilitou a historiografia um grande salto qualitativo. Tornou-se efetiva a possibilidade de desvincular a historiografia dos métodos majoritariamente aplicados durante grande parte do século anterior que faziam da disciplina um simples compêndio de informações que teriam a função de narrar os “grandes acontecimentos”, os “grandes fatos”, os feitos dos “grandes heróis” e pautada exclusivamente por uma reflexão das mudanças políticas promovidas por tais ações. Essa corrente, tributária da metodologia de Leopold Von Ranke, dominante no século XIX legou à historiografia que a sucedeu uma forte tradição no entendimento de conceitos generalizantes como a verdadeira função da historia, ou seja, a de explicar os fenômenos históricos através de grandes movimentos e escalas cujo entendimento na construção do conhecimento histórico se daria unicamente através de contínuas mudanças políticas no tecido social possibilitando uma compreensão totalizante das ações dos homens no tempo.

O que Marc Bloch e Lucien Febvre fizeram foi justamente ressaltar o verdadeiro papel do homem na ciência que estudavam, ou seja, o de agente fundamental na sua produção, sendo esse homem um grande político, um renomado intelectual ou um simples camponês, a todos é outorgado o papel de agente de transformação histórica. As diferentes possibilidades de análise documental que ambos buscaram elucidar trouxeram uma maior capacidade reflexiva aos historiadores, e consequentemente as reflexões sobre o papel desenvolvido pela sua ciência. Fundado em preceitos que, se pautaram sempre na interação com as demais ciências humanas em proveito do conhecimento histórico, o movimento dos annales passou a desenvolver e defender modelos metodológicos que não se faziam engessados e estáticos, ao contrário, os annales, ao abarcarem a multiplicidade de doutrinas e posicionamentos que as demais ciências ofereciam souberam refletir essa diversidade no seu contínuo processo de transformação.

Surgiram assim, ao longo do século passado, inúmeras correntes dentro dos annales que buscaram trazer sua contribuição para com a historiografia. O surgimento de uma vertente que buscou elucidar a história em pequenos recortes e movimentos apareceu em contraponto a essa tendência generalizante anteriormente citada. Essa corrente, capitaneada por uma impetuosa voluntariedade em abordar a história sob um olhar microanalítico se posicionou de certa forma como uma nova opção aos estudos embasados nas análises macroanalíticas o que nos leva a uma confrontação dos diferentes modelos.

Ao pesquisador um objeto subsidia inúmeras possibilidades de pesquisa e, quando aplicado um referencial metodológico que o mesmo vê como adequado são encontradas as condições necessárias para a pesquisa histórica. Por esse motivo a discussão sobre o modelo a ser seguido de fato vem sendo motivo para diversas e acaloradas discussões entre pesquisadores de diversas correntes, e a hegemonia de um sobre o outro reflete também a hegemonia de um método de escrita da história.

Não nos esqueçamos que a pesquisa histórica está intimamente ligada ao calçamento subjetivo de quem a realiza e por isso não pode ser desvinculada da ótica metodológica que o historiador transmite a sua obra. O triunfo dessa corrente reflete as necessidades cada vez mais visíveis que nossos tempos acabam impondo aos que se dedicam a entendê-lo, ou seja, a diversidade de discursos e recortes que não mais balizam uma pesquisa que se atenha ao entendimento maior da historia sem antes apontar diversas inconstâncias e possibilidades no discurso da produção da pesquisa histórica. Ao lançarmos vistas a essa nova ótica da pesquisa histórica podemos talvez

Mas também não devemos nos esquecer que o objetivo de se fazer uma narrativa que abarque uma “historia total” ou o “vôo da águia”, é possível a aqueles que se dedicam de forma incessante aos estudos e procuram estruturar sua construção do saber histórico continuamente no pluralismo.

Sendo assim ressaltar a importância de uma pesquisa diversificada, que seja construída de forma reflexiva e plural acaba se mostrando a melhor forma de nos posicionarmos.

Cabe a nós, futuros historiadores, definirmos a forma como enfrentaremos essas diversidades. Mas fica a sugestão de sempre buscarmos lançar olhares para a possibilidade de promoção do diálogo entre as vertentes que se fazem presentes na nossa caminhada rumo aos domínios de Clio.


Gabriel Costa; Giovanni Maciel e José Hailton Quaresma

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